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Que Justiça terão nossos Filhos, Netos e Bisnetos?
(Texto publicado originalmente em 16 de agosto de 2010)
Bruno Abbud
Em 1997, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves dirigia a redação da Gazeta Mercantil e tinha 60 anos quando conheceu Sandra Gomide, de 29. Dois anos depois, ao assumir a direção de redação do jornal O Estado de S. Paulo, nomeou a namorada editora de Economia e decidiu incorporá-la ao seu patrimônio pessoal. Inconformado com o fim do romance em maio de 2000, primeiro perseguiu-a profissionalmente, depois passou a agredi-la fisicamente e, finalmente, condenou-a à morte.
Executou a sentença em 20 de agosto de 2000 com uma bala nas costas e um tiro de misericórdia na cabeça. Foragido, repreendeu por telefone os antigos subordinados: achava que a cobertura do caso feita pela Folha era melhor. Depois de entregar-se, censurou com rispidez o delegado que o interrogava: estava insatisfeito com o teor das perguntas. Pimenta Neves comportou-se todo o tempo com a arrogância dos que se sabem condenados à impunidade.
Até 1979, quando o colunável paulistano Raul “Doca” Street foi condenado à prisão por ter assassinado a socialite mineira Ângela Diniz, os criminosos passionais escapavam da cadeia pelo túnel aberto no Código Penal por uma excrescência jurídica: “o direito à legítima defesa da honra”. Como o truque fora revogado, Pimenta Neves valeu-se do método utilizado por quem tem dinheiro suficiente para pagar honorários calculados em dólares por bons advogados. Nesta sexta-feira, fará dez anos que continua em liberdade graças a apresentação de sucessivos recursos às distintas instâncias da Justiça. Condenado em 2006 a 19 anos de prisão (depois reduzidos para 15), só ficou numa cela durante sete meses.
Hoje, enquanto aguarda o julgamento do recurso que, a julgar pelo histórico do caso, nunca será o último, vive numa casa de 930 metros quadrados na Chácara Santo Antônio, zona sul da capital paulista. Costuma passar o dia lendo e navegando pela internet, como descreve a reportagem da edição 2131 de VEJA. Sai pouco, não lhe sobraram amigos.
Antonio Pimenta Neves vai morrer desfrutando da liberdade que Sandra Gomide perdeu ao procurar um namorado e encontrar o algoz.
24/05/2011 Direto ao Ponto
“Antonio Pimenta Neves vai morrer desfrutando da liberdade que Sandra Gomide perdeu ao procurar um namorado e encontrar o algoz”, termina o texto de Bruno Abbud publicado em 16 de agosto de 2010 e reproduzido na seção O País quer Saber. Ao saber que o Supremo Tribunal Federal rejeitou nesta tarde o último dos incontáveis recursos apresentados pelo assassino confesso, e que o ex-diretor do Estadãofoi recolhido a uma cela no começo da noite, a coluna preparou-se para admitir, com muito prazer, que errou. Infelizmente, a previsão foi correta.
À saída de sua casa, uma jornalista perguntou-lhe se está pronto para passar os próximos 15 anos numa cela. “Claro”, retrucou o ex-diretor de redação do Estadão. O tom de voz e a expressão desafiadora informam que Pimenta Neves não perdeu a arrogância. E não perdeu por saber que a Justiça brasileira, tão lenta para prender, é espantosamente ágil para soltar. Graças aos infinitos malabarismos jurídicos que não só encurtam a pena como permitem que seja cumprida em liberdade, os 15 anos serão reduzidos a 23 meses.
O Brasil esperou 11 anos pela prisão de Pimenta Neves. A boa notícia chegou em companhia de outra péssima: o paraíso dos bandidos impunes trata com indulgência até quem mata uma jovem indefesa com uma bala nas costas e um tiro de misericórdia na cabeça.
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